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Townships: entre o racismo e as tecnologias de (r)existência

Atualizado: 10 de jan. de 2022

Desafios, potenciais de criatividade e resistência. Conheça a engenharia geográfica do racismo na recente história da África do Sul


Segregação racial na África do Sul


Durante o período colonial o território sul-africano foi disputado por holandeses e britânicos. No fim do século XIX, com a descoberta de jazidas de ouro e diamante, houve uma guerra entre os grupos colonizadores, que acabou levando à sua junção, instituindo o controle político branco na Constituição.


Esse momento se alimentava de políticas de segregação anteriores, e começava a preparar o caminho para o Apartheid.

A publicação de hoje traz alguns áudios com registros meus, de dezembro de 2019, durante visitas a museus na África do Sul. Quando houver áudios, clique no botão de play para ouvir.




 

O nascimento das Townships


Em 1913 a Lei de Terras Nativas fez com que pretos, mais de dois terços da população, tivessem direito a apenas 7,5% das terras, enquanto os brancos, um quinto da população, tinham direito a 92,5% das terras.

De 1918 em diante diversas leis foram criadas para a expulsão de pretos, mestiços e indianos das cidades - nascem aí as Townships, tecnologias do racismo.

As Townships existem em toda a África do Sul até hoje. Foram reinventadas por seus habitantes como tecnologias contra o Apartheid, como centros de resistência e treinamento, e tiveram várias lideranças.


Conheça algumas lideranças que tiveram sua história ligada às Townships:

Na fotografia acima, uma mulher não muito conhecida: Sikose Mji. Participante do Movimento da Consciência Preta (Black Consciousness Movement), esteve no Levante do Soweto em 1976. Na época, ele deu entrevista ao jornal Southern Africa:


"Nos últimos anos, tem havido um descontentamento geral entre todos e, em particular, entre os jovens. Com a independência de Moçambique e Angola, os jovens sul-africanos sentiram-se ainda mais desafiados a seguir o exemplo do povo angolano e moçambicano".

Mas o que foi o Levante de Soweto?

 

Hector Pieterson e a juventude anti-apartheid


Soweto é uma Township de grande importância histórica, política e cultural. Lá, em 16 de junho de 1976, foi protagonizado um levante de estudantes contra o sistema de ensino que obrigava o uso do africâner, língua do colonizador, desconhecida pelo povo. Foi aí que aconteceu o Levante de Soweto.


Os jovens agiam contra o programa conhecido como "Bantu Education", que tinha como intenção o controle linguístico, ideológico e histórico do ensino nas escolas que recebiam alunos pretos.

 

Tecnologias de (r)existência


Apesar de terem sido criadas como tecnologias racistas da dominação branca, o que deixou problemas ainda não resolvidos, as Townships produzem, além de importantes lideranças políticas, produtores culturais, empreendedores, atletas, artistas das mais diversas áreas.


Samthing Soweto é um conhecido cantor e compositor sul-africano, 33 anos, nascido em Soweto. Uma de suas músicas de maior sucesso é Akulaleki:



O músico foi homenageado com um mural feito no bairro de Maboneng (Joanesburgo), com uma pintura feita pelo artista Dbongz. A arte representa o orgulho de ser africano.


Para mim, em muitos momentos, a força cultural das Townships lembra as favelas brasileiras... O documentário "O bregafunk vai dominar o mundo" ilustra um pouco disso.




E por falar em produções audiovisuais, confira três séries sul-africanas abaixo, que apresentam um universo de imagens e imaginários incríveis. Vários momentos se passam nas Townships.

Boa parte dos povos sul-africanos são de origem Bantu, assim como muitos escravizados africanos que vieram para o Brasil e formam hoje as favelas. Um paralelo e uma origem cultural em comum que traz as noções de coletividade e capacidade criativa centrais.


Ao contrário do que mostram por aí, África não está distante, e é o futuro!

 

Townships e criatividade


Em dezembro de 2019, quando estive na África do Sul, conheci Carlos e Priscila, um casal de brasileiros que visita o continente africano há duas décadas. Fomos a um casamento tradicional de pessoas do povo Zulu na Township Orange Farm, próxima a Joanesburgo.


Conheci Karen Smoko (o rapaz de camisa branca na foto abaixo), que lidera um projeto na comunidade com dança Zulu, Pantsula e contemporânea.

O casamento tinha muitos artistas locais. Conversando com Karen, ele me disse:


"vi uma oportunidade na dança para afastar crianças da comunidade de drogas e criminalidade. Também acredito que todas as pessoas precisam expressar a si mesmas. Ninguém pode morrer sem mostrar seus talentos ao mundo"

Conheça o trabalho de dois jovens fotógrafos de Orange Farm:








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A história das Townships tem marcas severas da colonização ao mesmo tempo em que é atravessada por pessoas e iniciativas criativas em busca do rompimento do mal deixado pela supremacia branca. Sem dúvidas, essa não é uma guerra justa, mas os africanos estão constantemente buscando alternativas para reestabelecer a continuidade de suas próprias histórias de grandeza.


A cervejaria Soweto Gold foi criada em 2012 e celebra esse lugar único e especial. É nascida em Soweto e orgulhosa disso! Assista um anúncio da empresa. Dica: ative as legendas e configure a tradução para o português.


As Townships são a casa do Amapiano, mas também de outros gêneros musicais e estilos de dança. É o caso do Pantsula, por exemplo:

A dança, nascida década de 1950, é filha das Townships, especialmente Alexandra e Sophiatown. É um estilo de vida que ajuda a narrar a resiliência e a criatividade. Desde cedo foi uma ameaça ao governo do Apartheid, por ter grupos de dançarinos organizados de forma autônoma realizando atividades dos próprios interesses. Pantsula serviu assim como mais uma forma de realização negra e construção da identidade cultural das pessoas em torno de suas próprias referências.



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